Translate

segunda-feira, 29 de junho de 2020

ENTREVISTA: José Ulisses (Omega Cobra)

   "Nesse tempo doido, achar novos significados pode nos tirar da lama e nos levar a um lugar novo dentro de nós."



Tive um bate papo cabeça, e até filosófico,  com o Zé Ulisses do Omega Cobra. Uma banda com uma sonoridade que me agradou bastante e conheci recentemente. Uma entrevista bastante especial para mim, levando em consideração esse contexto mundial da pandemia . Deixo aqui o link para que conheçam a banda e escutem essa sonzeira .

Omega Cobra

Instagram   //  Musicas


Como que surgiu a ideia de começar o Omega Cobra?

Em 2018 eu fui em um show (depois de anos) em que o Michel tocou bateria num projeto que ele tinha instrumental, me deu uma sensação nova, diferente de antigamente, posso dizer que somos sobreviventes dos anos 90 e 2000, e lá por 2009 eu decidi ter outras experiências pessoais e espirituais e me retirei. Na época tocava numa banda chamada Velho de Câncer e o Michel no Damn Laser Vampires. Em 2019 eu montei um projeto chamado Subespectro com o Michel, mas durou pouco tempo e quisemos dar continuidade a sonoridade. Ele chamou o João Jr para tocar baixo, já que eles tocavam juntos numa banda chamada Viruskorrisivus. Dai a coisa aconteceu.

 
E a escolha do nome ? Algum significado em especial ?
A cobra tem diversos significados nas variadas culturas, algumas entendem que ela representa regeneração, imortalidade, mas eu estava lendo sobre o Exôdo do povo hebraico e tem um texto que diz que no deserto o povo estava perecendo por picadas de serpentes. No texto diz que Moisés fez uma serpente de bronze e levantou perante o povo, todos que eram picados, ao olhar para a serpente de bronze eram curados, esse texto tem muitos significados. Omega Cobra tem haver com encarar nos olhos os diversos sinais em nossa vida, sociedade, e nisto encontrar cura. O mundo está doente e a arte, música, carrega um forte poder de cura. É isso que eu acredito. Através da música eu aprendi a me livrar de preconceitos e ver as coisas com outro olhar.
Ouvindo aqui os sons , vi que as letras, os nomes das músicas,  carregam bastante "simbologia",( não sei se seria o termo certo). Como funciona o processo criativo na hora de compor os sons, escrever as letras ?
Sim, é isso mesmo. Legal que você entendeu assim. Sinto que muito do que foi produzido no hardcore/punk nas últimas décadas tem carregado uma temática extremamente materialista, e não me sinto confortável em produzir nesse contexto (o que de forma nenhuma é errado, apenas minha linguagem é outra) Simbologia é um termo adequado. O processo da descoberta de novos sentidos através da arte traz um profundo conhecimento de quem somos. Às vezes não faz sentido ao ler, mas faz sentido ao sentir. As melhores experiências pessoais que tive foi através da música. Nesse tempo doido, achar novos significados pode nos tirar da lama e nos levar a um lugar novo dentro de nós. Sobre o processo de criação, normalmente nasce com a música primeiro, e espero que a letra sirva a música e não o contrário. Tudo nasce com uma palavra chave, que desencadeia o resto. Nosso processo de composição é bem rápido, a maioria das músicas foram feitas em menos de 1 hora, sem pretensão ou compromisso com a perfeição, mas deixar a música fluir, como se fosse uma busca pelo som.
Eu curti essa vibe . "Nesse tempo doido", a que se refere mais especificamente ?
Me refiro ao estilo de vida acelerado e consumista que o mundo ocidental se afogou e se entorpeceu. Eu busco não ser saudosista, mas eu não consigo acompanhar a velocidade do mundo de hoje. Velocidade Zion fala sobre isso, buscar outra mentalidade, outro referencial, outro ritmo, um lugar de descanso da alma. Lembro com carinho do tempo das cartas sociais, fitas demo e o prazer por ter tempo pra conhecer as coisas com calma. A informação rápida, rasa, assusta as pessoas, e como resposta por vezes cria-se uma casca de individualismo: a ausência do partilhar. 
A busca pessoal por conhecer a si mesmo é libertadora e confrontadora, em mesma proporção.
Eu li que uma das consequências da pandemia, seria uma busca por um estilo de vida mais "simples". E alguns chegam a acreditar em uma forma de capitalismo mais sustentável e responsável .você acredita que isso possa existir em um mundo pós pandemia?
Pessoalmente sim, períodos difíceis trazem aprendizados novos. A Declaração dos Direitos Humanos, por exemplo, surgiu em 1948 após um dos maiores crimes contra a humanidade ocorrido na 2 guerra mundial. Talvez esteja surgindo num resignificar, coisa simples tem feito falta, como dividir um lanche, tomar um café, andar na rua, ver os amigos, falar com estranhos. Faz 90 dias que o Omega Cobra não ensaia, e isso faz bastante falta. Talvez, no meio cultural que comungamos, seja um tempo de conhecer artista locais, blogs como o seu, pequenos comércios. Se arriscar um pouco mais.

Essa é uma pergunta bastante recorrente nesses últimos meses, mas o que tem feito durante essa quarentena ? Deixe uma dica de livros, discos, filmes , etc .. para quem está lendo essa entrevista.

Eu trabalho no sistema prisional e meu trabalho está enquadrado como  atividade essencial, então sigo trabalhando. Também dou aula de Muay Thai, mas tem 90 dias que está parado. Minha esposa é professora, então basicamente eu tenho passado bastante tempo com ela. Tenho buscado conhecer bandas novas, blogs novos, compondo bastante e escrito para pessoas, bandas que eu gosto. É uma oportunidade de gastarmos tempo conosco e com nossa família, essa é minha dica, porém não se cobre, tudo bem se não fizer nada, não tenha compromisso com a perfeição. Essa entrevista foi muito legal, levamos dias trocando mensagens. Se você gostou ou tem curiosidade em falar conosco, por favor, não hesite em entrar em contato.
 
É isso meu amigo , agradeço pelo tempo investido aqui , e deixo esse espaço aberto para se manifestar livremente .

Muito obrigado pela oportunidade, foi bem legal. Em tempos como o que temos vivido no Brasil, quero dizer que o ódio não é um caminho, ele até pode ser um impulsionador inicialmente, mas com o tempo ele consome e cobra caro. Sejamos livres em nossa criatividade. Um abraço.



Nenhum comentário:

Postar um comentário