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sábado, 3 de outubro de 2020

Entrevista : Cauê Xopô (Astma/Futuro/Pelicano Discos)


Se liguem nesse bate papo que tive com o queridíssimo Cauê Xopô, o verdadeiro rocker multiação, com milhares de bandas e projetos, nos quais posso destacar Nerds Attack!, La Revancha, Polara, Futuro e Astma. Ele compartilhou um pouco de sua bagagem e claro, aprendi muito. Já deixo logo aqui abaixo os links para conhecer um pouco dos projetos dele. 

CAUÊ     FUTURO     ASTMA     PELICANO DISCOS     SICK TV 


Como que se formou a banda Astma?

O Astma começou em meados de 2018. É meio f*da falar do Astma como embrião de um projeto que a gente queria fazer, porque na realidade a banda é uma espécie de "continuação" de um projeto que montamos pouco mais de um ano antes disso, chamado Animal Heart. Na época nós nos desencontramos do baixista, foi um negócio meio feio, briga nunca é legal - ainda mais quando envolve amizade e compromisso de banda - mas acabou acontecendo. Eu, a Camilla (voz) e o Chero (bateria) queríamos continuar tocando, inclusive o plano inicial não envolvia mudança de nome e nem mesmo deixar de tocar as músicas que a gente já havia produzido e lançado em 2017. Mas mesmo isso era algo um pouco mais complexo do que parecia. Enquanto a gente tentava decidir o que fazer, eu sugeri chamarmos o Bá (baixo) pra tocar, primeiro porque sou muito fã do cara - como artista, músico etc. - e segundo porque a gente tava muito próximo; já tocávamos juntos no Futuro e trabalhávamos juntos também. Lembro que eu falei pra ele "você vai aguentar ficar olhando na minha cara por mais tempo ainda?" e mesmo assim ele topou. Bom, a partir disso, virou Astma por uma série de coisas - término mal resolvido, conversa com o ex-baixista pedindo pra gente não continuar tocando as músicas, dentre outras coisas que ficamos discutindo por semanas talvez...mas eu gosto de pensar que a ideia foi realmente começar a parada do zero até pra poder inserir o Bá nisso tudo sem que ficasse uma situação chata, me pareceu mais autêntico que os quatro tivessem a mesma importância na criação daquilo. Aí batemos o martelo, recomeçamos e hoje acho que foi realmente o melhor que a gente poderia ter feito.



Caralho , treta é sempre pesado. E que bom que deu certo esse novo início , gostei demais dos sons da banda . Fala um pouco sobre suas influências , e quais dessas influências você leva pra criar a sonoridade do Astma ?

Esse lance de influência é muito doido, porque não acaba nunca, né? No começo todos nós fomos bem influenciados por bandas da Deranged Records - Hurula, Daylight Robbery, Pleasure Leftists, Arctic Flowers, etc. 

Todas essas bandas são pós 2000-e-alguma-coisa e eu achava sensacional a ideia de trazer o pós-punk oitentista a tona, já cercado de uma série de outras referências e estéticas que tanto o hardcore como o punk rock haviam somado durante os trinta e poucos anos subsequentes. Isso por si só já era um bom ponto de partida pra existência do Astma, mas tinha um paralelo nisso também, que eu noto melhor hoje em dia; eu sempre fui um entusiasta do cenário atual. Sei lá, sempre achei legal essa possibilidade de estar criando algum riff de guitarra em casa, pra levar pro estúdio e somar com a banda, enquanto outras bandas que eu gostava estavam fazendo a mesma coisa em qualquer outro canto do mundo. É uma viagem mesmo de estar conectado com pessoas que nem me conhecem, ou que eu poderia vir a conhecer um dia - coisa de gente doida talvez, mas sempre curti essa sintonia meio fictícia. Enfim, com o tempo, eu fui descendo mais e mais essa escada, me conectando mais com o surgimento da coisa toda, tentando trazer algumas ideias pra "dentro de casa" também, um lance meio de tentativa e erro com base nos anos oitenta. Será que eu poderia sujar mais a guitarra como o Rikk Agnew fazia no Christian Death? Hm, ou será que valia mais a pena simplificar e tornar a guitarra mais "tristona", meio desprendida da música, como o Joy Division? Teve tudo isso no meio do caminho também. Nessas, eu fui dando mais atenção pro Kraftwerk e pro Depeche Mode e isso foi abrindo meu campo de visão pro meio eletrônico também, synth pop e afins. Hoje eu tô completamente fissurado nas coisas da Detriti, bem eletrônico sujo, darkwave e tudo mais. Com certeza isso vai trazer umas ideias loucas pra eu tentar inserir na banda quando a gente puder voltar a ensaiar.

Massa cara . Anotando aqui as referências , hehehe. Cara e você se lembra como foi seu primeiro contato com a cena independente/underground?

Lembro demais! O que me levou pro punk foi o skate. Lá pros meus quatorze eu fazia sessão com alguns amigos e nessas a gente começou a consumir coisas da cemporcentoskate e da tribo na época. Os VHS já eram carregados de algumas referências, tanto de banda gringa quanto nacional, além do rap, é claro. Nessas, eu acabei indo parar na galeria junto com dois amigos e um deles já foi com um propósito de comprar CD de bandas que ele estava ouvindo (em especial os dois primeiros do Mukeka di Rato). A gente entrou numa loja no primeiro andar e, pra piorar ainda a situação, estava tocando o A.Q.n.P do Presto?, que tinha sido lançado senão me falha a memória no mesmo ano. Fiquei abismado com aquilo. Era muito direto, muito rápido, em português, enfim...uma combinação de fatores. Ouvi esse CD até riscar, montei a primeira banda com esses mesmos moleques e nessas a coisa foi desenrolando.



Amo esse disco do Presto? . Skate foi crucial pra me mostrar bandas que seriam e são até hoje referência pra mim também . E qual foi essa primeira banda que você tocou ?

O skate tem muita coisa associada pra quem andou quando moleque né, mano? Me conectou com pessoas, sei lá, me inseriu num outro mundo mesmo, por mais que depois eu fosse traçando ali esse gosto mais forte por música, shows e tudo mais, sem o skate eu não tinha ido pra lugar nenhum. Minha primeira banda. bom, foi beeem essa coisa de banda de moleque mesmo. Por uma coincidência do destino dois amigos e uma amiga que andavam comigo estavam indo por esse mesmo caminho de escutar um monte de banda punk e eu montei uma banda com eles chamada GDC, lá pros meus quinze eu acho, que significava Garotos do Canto rs. O "canto" era basicamente um coreto do lado da praça que a gente andava de skate, que a maior parte do tempo era ocupado por nós mesmos. E bom, não tinha nada demais ali. A gente ia pra lá, chapava de drink vagabundo, ria e comia bolacha de cinquenta centavos comprada com rateio de quem estivesse no rolê. A gente falava basicamente de Laranja Mecânica, do último quadrinho do Frauzio que alguém tinha lido, cantava quinze sons do Misfits na sequência e depois repetia tudo, enfim. Moleques.

Hehehe massa. O skate tem esse lance bem punk de ocupar um espaço "a força " . Fala um pouco de sua trajetória, suas bandas até chegar no Astma.

Basicamente, depois dessa época, eu comecei a fazer vários amigos e as bandas vieram surgindo. Eu sou compulsivo, então já dá pra você imaginar que eu tive banda / projeto etc. até dizer chega, né? Cheguei num nível que não lembro mais de tudo não, a memória ficou meio turva. Mas eu vou citar algumas bandas que tive que me marcaram muito; Lá pra 2005, 2006, eu tive o La Revancha e o Nerds Attack! e eu rodei bem com ambas. Powerviolence, enfim, hardcore mais rápido, era algo que eu ouvia praticamente o tempo todo que eu tivesse condições, e o NxA! particularmente tinha um viés político muito importante pra mim por conta dessa questão de me assumir gay; era uma banda que já abordava mais essas questões de sexualidade e gênero que, pensando aí na mentalidade coletiva dessa época, mesmo dentro da bolha, ainda tinha muita coisa a ser dita pra minha geração mesmo. Eu não gosto muito de definir dessa forma, mas pensando na cena da época, São Paulo, segmentações e tudo mais, é como se o La Revancha fosse mais ligado no hardcore e o Nerds Attack! no punk. Eu conheci muitos lugares do Brasil por conta dessas duas bandas, foram minhas primeiras bandas com CDs e discos lançados via selo independente, além de ter tocado no Gordo Freak Show da MTV com o La Revancha. Toquei no Plague Rages nesse mesmo período - uma das primeiras bandas de grindcore do Brasil, existe até hoje, tive um projeto mais metalpunk chamado Ideocrime uns anos depois, nos últimos anos toquei bateria no Polara também, antes de mudar de vez para Belo Horizonte e atualmente, além do Astma, eu toco no Futuro, desde 2013, são 7 anos já e talvez seja a banda mais "sólida" que eu tive, até então. Atualmente - além do fator pandemia, é claro - a banda funciona a distância, mas fizemos tour nos USA em 2017 e lançamos o "Os Segredos do Espaço e Tempo" no mês passado, que já tem lançamento previsto em k7 na Argentina e nos Estados Unidos. Acho que fazendo um resumo enorme é só isso tudo!

Animal , cara eu confesso que o Futuro me passou batido por alguns anos. O Edilson Velho Rabugento me apresentou a banda e é um som que estou sempre escutando.  Legal você falar sobre a questão  da sexualidade , conversei com o Mamá aqui pelo blog e ele falou que o espaço dentro da cena para essas discussões era minúsculo . Muito tabu se tratando de uma cena que teve personalidades assumidamente bem resolvidas nesse sentido , como pilares na década de 80. Como foi que rolou com você toda essa questão de se assumir ?

Cara, acho que pra todo lgbt é igual numa coisa; antes de se tornar algo público e bem resolvido, se assumir é algo bem individual e particular. Você precisa se reconhecer minimamente, entender você no contexto que está a sua volta, como você se porta e se impõe (e se é da maneira como queria de verdade) dentre outras mil nuancias. Tem outra questão também, eu me assumi há 15 anos atrás, então não tinha como se espelhar na televisão ou mesmo no comecinho da internet pra tentar se conectar ou se reconhecer em outras pessoas. Pra completar, tanto meu círculo social no skate quanto no hardcore, independente do que as pessoas achassem da sexualidade alheia, eram compostos majoritariamente por homens héteros. Então quando eu era moleque, tinha esse conflito. Eu me achava pertencente nas minhas convivências por alguns interesses em comum - skate, música e por aí vai - mas o meio lgbt (especialmente o meio gay) me levava pra outro lugar completamente diferente, da noite, da música eletrônica e tudo mais. Com o tempo, esse contato entre punks gays foi criando forma via grupos e comunidades em redes sociais, então aos poucos eu fui conhecendo outras pessoas. Aí foi dado o cenário; eu me assumi no meio dessa doideira toda, fui falando com meus amigos mais próximos, sempre foi muito de boa pra mim, não tive conflitos sérios em casa e poucos com outras pessoas, mas eu só fui confluir lgtb com hardcore lá pra 2006, em um show do Gay-o-Hazard - que o Mamá inclusive era vocalista. Enfim, o resto foi tempo. A gente vai ficando mais velho, aprendendo a se respeitar e exigir respeito, quebrando barreiras e se aproximando muito mais de quem quer o bem da gente. No final, hoje, isso tudo pareceu meio inevitável.



Entendi. Mas pegando gancho , o Punk, na verdade o rock ou qualquer estilo marginal de cultura , sempre levantou discussões. Talvez por , ter uma banda, significar praticamente ter um meio de exorcizar aquilo que te chateia na sociedade. Quais discussões você considera cruciais e sempre fez questão de levantar durante todo tempo que esteve (e continua) envolvido com a cena independente?

A premissa sempre foi a mesma; tratar o público como um conjunto de indivíduos, que pertencem a uma sociedade, logo precisam estar contextualizados no que acontece em volta da nossa bolha, ponto. Seja falando sobre direito à moradia, corpo como instrumento político, manipulação de dados, incentivo a produção de coletivos e materiais independentes, ascensão da direita no Brasil, luta antimanicomial, bicicleta como meio de transporte, enfim, do "raso ao complexo" a ideia sempre foi fomentar diálogo e tornar as pessoas (e me incluo "nelas") responsáveis pelos seus atos, ou pela falta deles. Nem preciso dizer que eu não previa que todos esses temas teriam um relevo tão atemporal assim, né? Há alguns anos eu comecei a falar mais disso fora dos palcos, olho no olho com as pessoas mesmo, até porque esses diálogos se estendem e muito pra fora dos shows. Não acho de forma alguma que nada citado aí em cima tenha deixado de ser importante, e acho que precisa continuar sendo dito, mas nesse momento tô mais na minha. Quero mais escutar e botar a mão na massa do que necessariamente falar, entende? Por mais que eu curta e receba incentivo pra isso, sei lá, estou tentando ser mais pragmático e trazer mais movimento, incentivar atitudes mais concretas, e pra isso eu preciso me encaixar nas minhas próprias falas primeiro.



Entendi, massa . Mano deixa aí umas dicas culturais , discos, livros, filmes, podcast. O que você quiser sugerir pra quem está lendo essa entrevista .

Vamos nessa! 

Dica cultural: Pra quem tá em BH, tá rolando um festival de arte urbana da @cura.art (IG) e o coletivo posicionou alguns totens no centro da cidade, marcando a trilha pra quem quiser conferir as obras (e claro, vá de máscara!). 

Podcast: Recomendo o Cama, Mesa e Trampo, do Rashid e da Dani. É bem conversa de café da tarde, contando histórias da carreira, da Foco na Missão, dentre outras coisas. Eu curto bastante o trabalho deles e pra quem tá trampando de casa fica ainda mais legal, deixa rolando, só vai. Ah, já puxando o gancho, quem faz as artes do podcast é um grande amigo meu @ogusmagalhaes (IG), um ilustrador sensacional que todo mundo deveria conhecer.

Livros: Voltei a ter uma pira absurda com quadrinhos. A Editora Veneta lançou o "Mau Caminho" do Simon Hanselmann, um quadrinista não-binário que tem um humor super pervertido e ácido. É bem queer e transgressor, mas o que mais me aguçou foi que esse não era o foco; essa parte é só a base. O quadrinho foca na vida cotidiana de um casal bem pouco comum (uma bruxa e um gato preto), com todas as particularidades e como eles lidam com a própria vida, consumo de drogas e um niilismo absurdo. Eu li em 30 minutos e terminei ofegante, querendo comprar todos os outros.

Massa , anotado aqui já . Mano queria te agradecer por aceitar o convite de participar desse bate papo, gostei demais , aprendi muito também , e também queria deixar esse espaço em aberto pra você se manifestar da forma que bem entender . Um abraço

Mano, valeu pelo convite. Sou mega palestrinha, adoro bater-papo sobre essas coisas, o lado prolixo sem a tona! Deixo vibes positivas pra quem estiver lendo, estamos todos precisando ❤️



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